sexta-feira, 24 de abril de 2009

Carta do III Congresso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT

Carta de Belém
Carta do III Congresso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT

1. De 17 a 21 de abril de 2009, na cidade de Belém, no estado do Pará, realizamos o III Congresso da ABGLT. Este congresso não poderia ser em melhor lugar, a cidade das mangueiras, da revolução cabana e o coração da Amazônia; Belém é, também, palco da luta LGBT do país.

2. Em seu relatório anual denominado “Homofobia Estatal”, a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexo – ILGA aponta que 86 países criminalizam a homossexualidade, sendo que em 07 com a pena de morte. A violação dos direitos LGBT recrudesceu nos últimos anos com o governo Bush, que estabeleceu verdadeira guerra aos nossos direitos. Na mesma linha, os países islâmicos tentam barrar qualquer Resolução nas Nações Unidas que trate da Orientação Sexual e Identidade de Gênero.

3. Frente a esse contexto, a ILGA e a ABGLT estão envolvidas no processo de incidência política pelos direitos LGBT com os organismos multilaterais (OEA e ONU) juntamente com diversas organizações internacionais de Direitos Humanos. As conferências latino-americana e mundial da ILGA, acontecerão no Brasil em Curitiba (setembro/2009) e Rio de Janeiro (junho/2010) consecutivamente, e serão organizadas por grupos associados à ABGLT que se comprometerão com o envolvimento efetivo de todas suas organizações afiliadas nessas agendas internacionais.

4. Os reflexos da crise econômica mundial alcançaram o Brasil a partir do último trimestre de 2008,com um impacto perverso no emprego e na renda da classe trabalhadora. Nosso desafio é impedir que crise provoque a diminuição dos recursos para as políticas sociais, dentre as quais as voltadas à cidadania LGBT.

5. Milhões de LGBT ainda têm os seus direitos fundamentais violados diariamente em decorrência da violência e da ausência de leis específicas que criminalizem a homofobia. A pesquisa "Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil...”, realizada pela Fundação Perseu Abramo, revela que 25% dos brasileiros são fortemente homofóbicos. Essa situação nos convoca para a luta em favor da democracia, da igualdade de direitos e pela laicidade do Estado. Na Constituição Federal, Art. 1o, incisos III e V, o Estado Brasileiro funda-se sobre a “dignidade da pessoa humana” e sobre o “pluralismo político”. Trata-se de afirmar o direito a ser diferente e a que essa diferença se torne irrelevante. É uma combinação de universalismo com a garantia do pluralismo identitário.

6. No Congresso Nacional, que passa por um novo momento de recrudescimento de diversas denúncias de desperdício e mau uso de recursos públicos, a agenda da cidadania LGBT encontra-se interditada. Até hoje não foi aprovada nenhuma lei que assegure nossos direitos. Criminalizar a homofobia, instituir a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e permitir que pessoas transexuais e travestis alterem seu prenome e usem seu nome social são as prioridades da ABGLT junto ao legislativo.

7. Há avanços no campo do judiciário. É crescente o número de sentenças afirmativas em prol dos direitos LGBT. Porém, o acesso à justiça ainda está restrito a poucos. As defensorias públicas não comportam a demanda e não estão preparadas para atender LGBT. Além disso, a maioria dos crimes contra LGBT permanecem impunes. Nós LGBT, ainda somos alvo fácil em um sistema judiciário que é pautado em grande parte pelos interesses da elite branca heterossexista, machista e homofóbica.

8. O Programa Brasil Sem Homofobia (2004) representou um marco na construção de ações do Executivo voltadas à população LGBT, mas sem a natureza de uma política de Estado, coloca-se em xeque a sua continuidade. A I Conferência Nacional LGBT (2008), precedida de municipais, regionais e estaduais nas 27 unidades da federação, possibilitou um avanço nesse sentido, mas ainda falta, para sua concretização, a implantação do Plano Nacional de Promoção dos Direitos Humanos e Cidadania LGBT. A limitação do orçamento público federal para efetivação das ações programadas, constitui para o Governo Federal uma contradição na sua política de enfrentamento da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

9. Nos Estados e Municípios, temos observado importantes avanços, como a criação de órgãos públicos voltados à população LGBT, bem como legislações antidiscriminatórias e garantidoras de direitos a esta população. Todavia, a ausência de instrumentos eficazes de aplicação de tais leis e a ausência de um compromisso com o pacto federativo no combate a tais discriminações ainda são um obstáculo a ser superado.

10. Em 14 anos de fundação, a ABGLT agregou e agrega inúmeras correntes ideológicas e identidades políticas e sexuais. Sua história é marcada pela capacidade de agregar atores e atrizes que pensam e se comportam de maneiras diferentes, mas que caminham juntos lutando em favor da democracia, do afeto, da liberdade e da cidadania LGBT.

11. Nesse congresso, reforçamos a garantia de expressão das singularidades identitárias e a audição ativa de todas as demandas específicas numa agenda comum. Acreditamos que somente com a participação de todas as identidades sexuais, atravessadas por questões de classes, de raça e de gênero, manteremos a nossa capacidade de caminharmos juntos com as nossas diferenças.

12. Travestis e transexuais estão entre os setores da população mais vulnerabilizados socialmente. Se por um lado são pessoas expulsas de casa desde muito cedo, por outro, o Estado e a sociedade não lhes oferece alternativas de sobrevivência digna. É preciso promover sua participação integral na sociedade, por meio de políticas que lhes assegurem acesso à educação, segurança, saúde, trabalho e previdência.

13. As mulheres lésbicas e bissexuais enfrentam a naturalização das discriminações e das violências, no âmbito doméstico e familiar, nas escolas, nos atendimentos de vários profissionais da saúde e outras instituições, além da sociedade em geral. A misoginia e o machismo, fomentam a invisibilidade deste segmento. A ABGLT deve atuar numa ação crítica e radical ao sistema patriarcal, para o fortalecimento e participação política das mulheres lésbicas e bissexuais, bem como, para a efetiva implementação de políticas públicas que de fato transformem esta realidade.

14. A Juventude LGBT sofre com diversos tipos de preconceito e discriminação, é expulsa de casa ou encarcerada em seu próprio ambiente familiar, e vivencia situações de evasão escolar, violência sexual, física e psicológica, além da difícil tarefa de construir a sua identidade. A ABGLT deve assumir um compromisso efetivo com a juventude LGBT, contribuindo para a construção de uma juventude organizada e politizada. Para tal, realizará o I Encontro Nacional de Juventude da ABGLT em 2010 (abril/Rio de Janeiro).

15. As pessoas LGBT idosas são muito discriminadas e vivenciam uma situação extrema de abandono. A ABGLT trabalhará para contribuir com a mudança desse triste contexto. Elas têm o direito de viver suas sexualidades de forma saudável, com segurança e cidadania, participando em grupos e redes visando à promoção de uma sociedade intergeracional.

16. Historicamente, os LGBT negras/as e indígenas sofrem dupla discriminação promovida pela estrutura racista, colonial e patriarcal. A falta de produção de informação gera a escassez de políticas públicas específicas, ocasionando extrema vulnerabilidade a essas populações. A ABGLT repudia toda forma de racismo e exige ações que garantam a equidade étnico-racial.

17. Dentre a população LGBT, as pessoas com deficiência estão submetidas a uma condição particular de invisibilidade e exclusão. É urgente nos somarmos à luta do movimento de pessoas com deficiência pela acessibilidade universal, bem como criar condições para viabilizar a participação destas pessoas no próprio movimento LGBT.

18. Gays, bissexuais e travestis, vivendo com HIV/Aids, principalmente com o recrudescimento da epidemia, têm necessidades especificas no campo da atenção integrada em saúde e direitos humanos, na vivencia de suas sexualidades, no tratamento e seus efeitos colaterais e na saúde mental. Mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais são invisibilizadas neste contexto, até o presente momento nenhuma pesquisa oficial foi realizada para o levantamento da epidemia nessas populações, com graves conseqüências para a efetiva inclusão destas no plano de enfrentamento a feminização da Aids. Há urgência na disponibilização pelos governos de novas tecnologias em prevenção positiva, na garantia do acesso universal aos insumos e tratamento e na atenção e assistência, com garantia de recursos públicos numa política nacional efetiva. Também, é estratégico para a melhoria da qualidade de vida das travestis a inclusão dessa população no sistema de informação do SUS como categoria de exposição. A ABGLT deve atuar no combate ao estigma e a discriminação; e no monitoramento e avaliação das políticas que vem sendo implementadas.

Nossas ações para o biênio 2009-2010: Políticas Públicas e Estado Laico

19. A ABGLT deverá defender e lutar pela promoção dos direitos humanos da população LGBT, ao lado dos demais movimentos sociais que constroem um Brasil mais justo, fraterno e igualitário. A implantação efetiva do Estado laico é um pressuposto para a conquista de nossos direitos, bem como de uma verdadeira democracia em nosso País. E o combate à exploração sexual infanto-juvenil estará entre nossas prioridades, em aliança com o movimento pelos direitos da criança e do adolescente.

20. O poder executivo deverá criar a Subsecretaria de Políticas para LGBT e o Conselho Nacional dos Direitos da População LGBT no Governo Federal, implementar as resoluções aprovadas na I Conferência Nacional LGBT através do Plano Nacional de Promoção dos Direitos Humanos e da Cidadania LGBT, garantindo-se os recursos orçamentários para sua efetivação.

21. No poder legislativo, a ABGLT e a Frente Parlamentar Pela Cidadania LGBT deverá potencializar sua atuação conjunta, e trabalhar pela aprovação do PLC nº 122 de 2006, que criminaliza a discriminação contra pessoas LGBT, do PLC nº 072 de 2007, que retifica o registro civil das/os transexuais, do PL nº 2.976 de 2008, que garante a inclusão do nome social das travestis, e do PL nº 4.914 de 2009, que estende às uniões entre pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos da união estável.

22. Para atuação no poder judiciário, a ABGLT deverá se inserir nas articulações nacionais de combate à impunidade e promoção do acesso à justiça. Lutar pela ampliação e qualificação das defensorias públicas em todas as unidades da federação. Auxiliar as organizações afiliadas para o combate à discriminação e promoção da cidadania LGBT no âmbito do judiciário. Atuar em favor de sentença favorável para a ADPF 132 do Governo do Estado do Rio de Janeiro (2008) que reivindica o tratamento igualitário entre heterossexuais e homossexuais para efeito de união estável.

23. Cobrar para que todos os Estados e Municípios criem unidades político-administrativas para LGBT e conselhos estaduais e municipais dos direitos da população LGBT, estabeleçam plano de promoção da cidadania LGBT com orçamento garantido; e que publiquem os relatórios das Conferências Estaduais realizadas para LGBT.

24. Fortalecimento de pontes pelos Direitos LGBT no Mundo, com ênfase no Hemisfério Sul, serão ações da ABGLT neste biênio. Para isso, a ABGLT deve intensificar sua estratégia de atuação no MERCOSUL, na OEA e na UNASUL para o combate a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, buscando o fortalecimento das associações LGBT na relação com governos e o desenvolvimento de solidariedade, intercâmbio e integração regional. Um dos caminhos a ser perseguido é a construção de uma agenda comum, que garanta no âmbito global uma resposta sul-sul mais contundente e representativa na luta por direitos humanos e na construção da possibilidade de um novo mundo de igualdade entre as nações e os povos.

25. Para concretizar essas diretrizes, é necessário fortalecer a ABGLT e as suas associadas, avançando nos seguintes eixos:

• Ampliar a interação das organizações e grupos na população LGBT;
• Trabalhar para a sustentabilidade institucional das organizações e para a formação política dos/as ativistas;
• Garantir uma comunicação ampla dos eventos e posições políticas da ABGLT na sociedade e especialmente na população LGBT;
• Construir um Calendário Nacional de Luta a partir das datas de referência do Movimento Social LGBT;
• Fortalecer o movimento nas regiões, consolidando os já existentes e criando fóruns estaduais LGBT; e
• Ampliar a participação nos espaços de controle social de políticas públicas, tais como: conferências, conselhos, comissões, e outros.

26. Os movimentos sociais são o pólo mais dinâmico para construir um projeto democrático e popular. É preciso potencializar ainda mais esta força. O movimento LGBT deve buscar a unidade e a aliança política com os demais movimentos sociais e setores da sociedade civil organizada. O combate ao fundamentalismo religioso e a luta pela laicidade têm como pressuposto uma ampla aliança progressista.

27. Não é possível combater a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, se a sociedade continua machista, racista e com profundas desigualdades sociais. Devemos construir uma aldeia global de lutas progressistas.

28. A ABGLT convoca a todos e todas para a essa batalha, acreditando que em torno da bandeira do arco-íris todas as pessoas são fundamentais para uma ação coletiva e transformadora. A ABGLT deve estar ombro a ombro com outros segmentos excluídos e discriminados para que possamos ter uma atuação mais qualificada, porque outro mundo é possível.


Belém do Pará, 21 de abril de 2009.

Plenária Final do Congresso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

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