segunda-feira, 1 de março de 2010

Privatizações à moda tucana

Mino Carta

Basta que Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência da República recém-ungida por Lula, faça referências bastante genéricas à natural, inescapável relação entre Estado e Economia, e de pronto o deus nos acuda se estabelece. Quem acompanha a cobertura jornalística, quem lê os editoriais dos jornalões, fica exposto à sensação (à certeza?) de que, se Dilma ganhasse as próximas eleições, o Brasil cairia nas mãos da horda estatizante.

Mauricio Dias, em sua Rosa dos Ventos, agudamente avisou, faz duas semanas, que a divergência quanto à correta interpretação do papel do Estado nos domínios econômicos acabaria por excitar cada vez mais o debate eleitoral. Pois a questão está posta, e ganha tons exasperados, e até anacrônicos, na convicção medieval de que aos barões cabe a propriedade de tudo.

Nesta edição, o confronto já esboçado está na capa. Aqui me agrada recordar certas, fundamentais circunstâncias em que se deram as privatizações celebradas como trunfo do governo de Fernando Henrique Cardoso, entre elas, em primeiro lugar, o desmantelamento da velha Telebrás, leiloada para uma plateia de barões à sombra do martelo de um punhado de extraordinários leiloeiros.

Final de 1998, FHC já reeleito, mas ainda não empossado, para o segundo mandato. Operação entregue aos cuidados do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, de André Lara Resende, presidente do BNDES, de Ricardo Sergio de Oliveira, diretor do Banco do Brasil. Entre outros menos qualificados. Grampos variados acabaram por revelar o pano de fundo de uma bandalheira sem precedentes na história pátria.

Foi uma orgia de fitas. Em sua reportagem de capa da edição de 25 de novembro de 1998, CartaCapital dizia: "Fala-se em 27, mas certeza só tem quem participou dos grampos". Ilegais, obviamente, e desde o início do ano destinados a ouvir as conversas do próprio Luiz Carlos Mendonça de Barros, que ainda estava na presidência do BNDES. O que movia os grampeadores, adversários de Mendonção, era buscar as razões da vertiginosa ascensão da Link Corretora de Mercadorias Ltda., dos filhos do grampeado: em quatro meses de atividade tornara-se a terceira operadora no ranking do Índice Bovespa Futuro. "Cerca de 40% desse índice – sublinhava CartaCapital – era composto por ações da Telebrás, empresa sob o comando do presidente do BNDES."

O cerco a Mendonção prosseguiu mesmo quando ele se mudou para o Ministério das Comunicações, e ali, no seu gabinete, as gravações mais significativas, relativas ao leilão da Telebrás, foram executadas entre 21 de julho e 21 de agosto de 98. O próprio governo, pego no contrapé, cuidou de divulgar uma versão da fitalhada, com cópias generosamente fornecidas às semanais Veja e Época. Cópias amplamente manipuladas, para provar a lisura dos comportamentos das figuras governistas chamadas a conduzir a privatização do sistema. Ocorre que outros ouvidos entraram em cena, e tiveram acesso a largos trechos cancelados nas versões oficiais. Os ouvidos de Luiz Gonzaga Belluzzo e do acima assinado, que participaram de uma audição especial, e do então redator-chefe, Bob Fernandes, privilegiado em outra ocasião.

Cito algumas passagens edificantes, que não figuravam nos textos de Veja e Época. De Mendonção para o irmão José Roberto: "O negócio tá na nossa mão, sabe por quê, Beto? Se controla o dinheiro, o consórcio. Se faz aqui esses consórcios borocoxôs são todos feitos aqui. O Pio (Borges, vice-presidente do BNDES) levanta e depois dá a rasteira". De Mendonção para André Lara Resende, novo presidente do BNDES: "Temos de fazer os italianos na marra (Telecom Italia) que estão com o Opportunity (...) fala para o Pio que vamos fechar (os consórcios) daquele jeito que só nós sabemos fazer". De André Lara Resende para Persio Arida, sócio de Daniel Dantas no Opportunity: "Vá lá e negocia, joga o preço para baixo, depois, na hora, se precisar, a gente sobe e ultrapassa o limite".

As pressões chegam ao clímax, e Mendonção propõe: "Temos que falar com o presidente". E Resende: "Isso seria usar a bomba atômica!" E ele a usa: "Precisamos convencer a Previ", recomenda a FHC. A Previ poderia prestar-se ao jogo, como se prestou no caso da privatização da Vale do Rio Doce. O fundo, contava Carta-Capital na reportagem de capa assinada por Bob Fernandes, "parecia compor-se com o grupo capitaneado por Antonio Ermírio de Moraes, à última hora bandeou-se para a nau pilotada por Benjamin Steinbruch". Na manobra para enredar a Previ no caso do leilão da Telebrás, foi decisiva, segundo os trechos omitidos das versões oficiais, a pronta colaboração de Ricardo Sergio, o diretor do Banco do Brasil.

Tal é o bastidor das privatizações à moda nativa, ou melhor, tucana. Ou fernandista, se quiserem. A trupe dos privatizadores abandonou a ribalta faz bom tempo, mas não é arriscado imaginar que viva dias pacatos. O mais ostensivo, no seu bem-bom, é André Lara Resende, hoje dono de uma quinta em Portugal. Devotado aos esportes equestres, freta aviões para importar seus cavalos.

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