quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Crescimento dá sinais de desconcentração

Muito além do Bolsa Família

Quem considerou que o voto no Nordeste na última eleição seria movido a assistencialismo, errou. O crescimento econômico na região, acima da média nacional, fez diferença na vida de muita gente, e não só dos mais pobres

Por: Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual

Publicado em 07/12/2010

A votação expressiva obtida por Dilma Rousseff no Nordeste veio acompanhada de um bocado de ressentimento. Não foram poucos os que disseram que os votos eram dos “pobres” (automaticamente desqualificados como menos valiosos) e indiretamente resultado do assistencialismo, materializado pelo programa Bolsa Família. Nesse olhar, sobrou preconceito e faltou informação, ao não observar indicadores e fatos, como o crescimento da economia e a criação de empregos na região. Esses foram os fatores determinantes para a taxa de satisfação daquela população – e portanto, da maciça votação na candidata governista.

Aos números. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) feita pelo Dieese e pela Fundação Seade, de São Paulo, em parceria com entidades regionais, mostra desemprego em queda e ocupação em alta, inclusive com carteira assinada, nas maiores regiões metropolitanas: Fortaleza, Recife e Salvador. Nos últimos 12 meses, até outubro, as três criaram quase 350 mil empregos e reduziram em 160 mil o número de desempregados. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, que usa outra metodologia, revela crescimento de 13,1% em 12 meses, até setembro, no nível de ocupação da Região Metropolitana de Recife, o equivalente a 179 mil pessoas a mais. No mesmo período, o número de desocupados caiu 7,1% (11 mil a menos). Em Salvador, os números são mais modestos, mas igualmente positivos.

Dados do Banco Central reforçam: o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ficou praticamente estável (-0,2%) em 2009. Mas a economia cresceu 1,7% na Bahia, 3,1% no Ceará e 3,8% em Pernambuco. “A economia nordestina, ratificando a evolução registrada pelos principais indicadores mensais regionais ao longo do ano, assinalou, em 2009, dinamismo mais acentuado do que o experimentado em âmbito nacional”, diz o BC, que destaca o crescimento dos investimentos na região: no ano passado, os desembolsos, principalmente do BNDES e do Banco do Nordeste, representaram 5,2% do PIB local, ante média de 1,5% no período 2004-2008.

A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, mostra ainda que, enquanto o emprego formal cresceu 4,48% no país em 2009, no Nordeste essa alta foi de 6,81%, chegando a 9,4% no Ceará, a 7,42% na Bahia e a 6,97% em Pernambuco, totalizando 335 mil novas vagas. Nesses três estados, a maior alta percentual foi do setor de construção civil: 27,82%, 30,23% e 23,83%, respectivamente.

Em artigo publicado no site Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, a economista Tânia Bacelar Araújo, professora do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirmou que o Nordeste foi beneficiado com a preocupação do governo com as desigualdades sociais e regionais. Ela cita, por exemplo, a política de reajustes do salário mínimo e a ampliação do crédito como fatores que impulsionaram a economia da região, do ponto de vista do consumo. Norte e Nordeste, segundo a professora, lideraram as vendas do comércio varejista no país de 2003 a 2009.

Ela destaca também a decisão da Petrobras de construir novas refinarias e estimular a retomada da indústria naval. Vários estaleiros foram instalados no Nordeste. Os planos da Petrobras para a região incluem quatro novas refinarias, em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. Os investimentos superam US$ 45 bilhões.

Canteiro

“Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infraestrutura – foco principal do PAC –, que beneficiou o Nordeste com recursos que, somados, têm peso no total dos investimentos previstos superior à participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro, a construção civil bombou na região”, acrescentou a economista.

O coordenador da PED em Fortaleza, Ediran Teixeira, confirma. “Hoje, a Região Metropolitana é um canteiro de obras. Do lado da habitação, muitos imóveis estão sendo construídos e, do lado da construção pesada, muitas estradas são abertas e muitas indústrias se instalam. As reformas e as construções visando à Copa de 2014 estão em pleno vapor, além de outras obras estruturantes”, afirma Teixeira, citando ainda a ampliação do porto e a construção de uma siderúrgica no complexo portuário de Pecém, em São Gonçalo do Amarante, município da Região Metropolitana.

“Todas essas obras impulsionam não só a construção civil como também a indústria metal-mecânica, que em seu segmento foi a que mais gerou postos de trabalho nos últimos 12 meses, junto com a indústria têxtil e de vestuário (8 mil novas vagas cada uma)”, acrescenta. No comércio, o crescimento do emprego é determinado pela elevação das vendas. “A economia cearense está aquecida desde o início do ano e vem aumentando o volume de contratações.”

Principal exportadora do estado, a fabricante de calçados Grendene, com a maior parte de suas fábricas em Sobral, a pouco mais de 200 quilômetros de Fortaleza, ampliou em 60% a sua força de trabalho em 2009. Foram mais de 8 mil contratações, após uma redução de 3 mil no ano anterior, devido à crise econômica. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de janeiro a outubro a empresa foi responsável por 14% das exportações cearenses. Nos três primeiros trimestres do ano, as vendas ao exterior corresponderam a quase 20% da receita bruta da empresa.

Formalização

Na Região Metropolitana de Salvador, a economista Ana Simões, coordenadora da PED local, vê um movimento consistente do emprego formal na região, principalmente a partir de 2004. Em setembro, a taxa de desemprego atingiu o menor nível desde o início da pesquisa, em 1997.
Ao estabelecer aquele ano como o “ponto zero”, Ana diz que, enquanto a ocupação total cresceu 39,3% até 2009, o emprego com carteira dobrou. A construção civil teve alta de 71,9% no período. “Há muitas obras na área de habitação”, observa, destacando a importância de programas como o Minha Casa, Minha Vida.

O rendimento médio ainda é um ponto fraco, embora venha evoluindo. “Ainda não alcançou os valores de 1997, em termos reais”, afirma Ana. Com a economia muito indexada ao salário mínimo, a renda passou a se recuperar a partir de 2004. E a concentração de renda diminuiu um pouco, apesar de ser ainda elevada. Em 1997, os 10% mais pobres tinham 0,6% da renda, passando para 1,3% em 2009 – no mesmo período, os 10% mais ricos encolheram de 46,1% para 37,7%.

Segundo o Sinduscon, o sindicato da indústria da construção, o setor foi responsável por 39% das vagas formais criadas no estado da Bahia em 2009 e por 29,8% do total de janeiro a setembro deste ano. Também nesse período, só a Região Metropolitana de Salvador abriu 22 mil vagas, mais do que em todo o ano de 2009, quando foram criadas pouco mais de 15 mil. O total de empregados com carteira passou de 61 mil, em 2004, para 161 mil até setembro. A participação da construção civil no PIB estadual baiano aumentou nos três últimos anos.

Na Região Metropolitana de Recife, de 2003 a 2009 a ocupação cresceu 20,3%, com 240 mil novos postos de trabalho, dos quais 139 mil com carteira assinada. O maior número (141 mil) foi no setor de serviços, enquanto a maior alta percentual, 48,1%, foi justamente na construção civil, que criou 26 mil empregos.

“Ao longo do período analisado, a chegada de investimentos para a empresa Suape Complexo Industrial Portuário vem promovendo uma grande geração de empregos no estado de Pernambuco”, observa Jairo Santiago, do Dieese, coordenador da pesquisa em Recife. Ele cita dados do próprio complexo sobre os investimentos das 96 empresas já instaladas e outras 16 em fase de instalação, que somam US$ 15 bilhões apenas este ano.

Entrevista com Tom Morello do Rage Against the Machine

Após passagem pela América do Sul, o guitarrista do RATM, Tom Morello, fala sobre política e música ao Brasil de Fato

19/11/2010

Ana Maria Straube, Rodrigo Salgado e Vinicius Mansur (de São Paulo)


Nascida em 1991 na Califórnia, EUA, a banda Rage Against The Machine (RATM) se consolidou no cenário mundial da música com uma rara mescla de rap, variantes do rock and roll pesado e crítica política furiosa e constante.

Na trajetória da banda, pedradas ao capitalismo, ao belicismo estadunidense, ao racismo, ao etnocídio dos nativos da América, à violência machista. Homenagens aos zapatistas, à Liga Anti-Fascista da Europa, à organização Women Alive, aos presos políticos Leonard Peltier e Múmia Abu-Jamal.

Para todos estes, a banda realizou shows, revertendo todo o dinheiro para a defesa das causas. O RATM também tocou em protestos contra o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), fez dois shows contra à guerra (2000 e 2008) às portas da Convenção Nacional do Partido Democrata, provocou o fechamento da Bolsa de Valores de Nova York por algumas horas ao tentarem gravar um clipe, dirigido por Michael Moore, em frente à instituição, e, também, foi censurado pela emissora NBC por exibirem a bandeira dos EUA de cabeça para baixo em uma apresentação.

Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, a emissora Clear Channel criou a lista de “músicas com letras questionáveis”, na qual o RATM foi a única banda a ter todas as suas músicas incluídas.

De 2000 a 2007, a banda esteve separada, mas, em outubro deste ano, aterrissou e “aterrorizou” pela primeira vez em solo sul-americano, passando por Brasil, Argentina e Chile, homenageando o MST, as Mães da Praça de Maio, Víctor Jara e Salvador Allende. Passada a turnê, o guitarrista do RATM, Tom Morello, concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.



Brasil de Fato – Os fãs da América do Sul esperaram muito tempo por uma apresentação do RATM. Vocês gostaram da recepção do público?

Tom Morello – Nós ficamos muito extasiados com o público brasileiro. Nós temos grandes fãs no Brasil e é uma vergonha termos demorado 19 anos para tocar no país. Mas valeu a espera. Foi realmente uma noite para ser lembrada.



O RATM é uma banda claramente anticapitalista. Porém, percebemos, no show do Brasil, que parte considerável dos seus fãs não se interessa pelo conteúdo político ou até mesmo tem aversão a posicionamentos de esquerda. Como vocês interpretam isso?

O RATM é uma banda que se preocupa em agir amplamente. Tocamos nossa música para atingir uma ampla variedade de pessoas, independentemente de suas inclinações ideológicas. Estou tranquilo com isso. Nós não somos uma banda elitista que toca exclusivamente para pessoas que compartilham exatamente nossa pauta política. O que nós percebemos ao longo destes anos é que muitos jovens que antes eram apáticos ou possuíam opiniões políticas diferentes foram expostos a um novo conjunto de ideias através de nossa música e, em alguns casos, isso os ajudou a mudar sua forma de pensar.



Um jornalista chegou a publicar que vocês foram usados pelo MST no Brasil, colocando-os como “gringos bonzinhos nas mãos de pessoas más”. O que você tem a dizer sobre isso?

Minha hipótese é que o jornalista que diz sermos marionetes nas mãos do MST possivelmente discorda da postura política do movimento. Isto é uma crítica comum que encontramos aqui nos Estados Unidos. Quando a mídia de direita critica artistas por se posicionarem politicamente é geralmente porque eles discordam do ponto de vista dos artistas. Eu aprendi sobre o MST com o Zack, que conhece bastante sobre os movimentos políticos de toda a América Latina e nós temos orgulho de prestar solidariedade ao MST na sua luta por justiça no Brasil.



Você faz parte de algum movimento político?

Sou cofundador, junto com Serj Tankian, da banda System of a Down, da Axis of Justices, uma organização sem fins lucrativos determinada a reunir músicos, fãs de música e organizações políticas de base para lutar por paz, direitos humanos e justiça econômica. Também sou membro do IWW (Trabalhadores Industriais do Mundo, por sua sigla em inglês), uma organização de trabalhadores radical, fundada no início do século 20 e que engloba trabalhadores de todos os tipos. Trabalhadores da indústria do sexo, estudantes, músicos, metalúrgicos, camponeses etc.



Qual a importância para vocês que os jovens apoiem movimentos sociais, como o MST? No Brasil, atualmente, a juventude raramente se engaja em lutas sociais. Como ela se comporta nos EUA?

É a juventude que muda o mundo e eu acredito ser de crucial importância que eles ganhem perspectiva numa larga variedade de ideias e movimentos políticos que estão abertos para a participação deles em seus próprios países. Nos Estados Unidos, a juventude foi muito energizada pela campanha presidencial do Obama e muitos se desiludiram com suas ações desde que ele foi eleito. Existe muito descontentamento nos Estados Unidos com a economia e com o prosseguimento das guerras no Oriente Médio e, infelizmente, os semideuses da direita têm manipulado esse descontentamento para os seus próprios propósitos.



A vitória dos republicanos nas últimas eleições nos parece um fiel exemplo disso. Existem movimentos populares nos Estados Unidos capazes de reverter esse quadro?

Durante a administração Bush, houve um fortíssimo movimento antiguerra. Muito da energia desse movimento foi canalizada para a campanha do Obama, quem eu considero uma pessoa decente. Mas acredito que a alta cúpula do governo está repleta de compromissos. A política nos Estados Unidos é dominada e operada pelo grande capital e não me surpreende este giro à direita que tivemos depois de dois anos com Obama. E não é porque sua política ameaçava a elite em qualquer aspecto. Seu apoio contínuo à guerra do Afeganistão e o resgate criminoso oferecido aos bancos e à indústria financeira são uma clara indicação de sua fidelidade de classe. Mas o que sublinhou o movimento da extrema direita na política estadunidense foi o desafio às convenções culturais que o Obama representa. Existem muitos racistas nos Estados Unidos que sequer podem dormir bem sabendo que existe um presidente negro na Casa Branca. A extrema direita usou temas como raça, sentimentos antigay e anti-imigrantes para reavivar a animosidade para com o centrista Partido Democrata, deixando sua pauta econômica e de poder por detrás e, assim, convencendo a maioria da classe trabalhadora branca a votar contra os seus próprios interesses.



Que visão vocês tem sobre o recente processo político latino-americano?

Parece-me que, enquanto os Estados Unidos focaram sua atenção em nossas guerras imorais e ilegais no Oriente Médio, a América Latina foi deixada para seguir seu próprio destino. Eu estou muito satisfeito que, ao longo do curso da última década, movimentos realmente populares tenham começado a influenciar a política do Estado e, eventualmente, tenham ascendido ao poder na América Latina. Governos que explicitamente estão ao lado dos pobres e da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que a população de qualquer país deve estar atenta contra a corrupção. Eu acredito que é um sinal encorajador que os oprimidos tenham, mais do que nunca, voz na política latino-americana.



Entrando na música, mas sem sair tanto da política, como uma banda como o RATM lida com a indústria cultural?

Bom, é bem possível que ninguém no Brasil jamais tivesse escutado o RATM ou que ninguém se interessasse em ler esta entrevista se não fosse o fato da música do RATM ser veiculada pela Sony Music. Logo no início da banda, nós tomamos uma decisão de forma extremamente consciente sobre como tentaríamos divulgar nossa mensagem revolucionária para o maior número de pessoas possíveis ao redor do mundo. E, ainda que eu respeite as decisões de outros artistas em lidar exclusivamente com gravadoras independentes, nossos objetivos políticos são muito maiores. Nós queremos que nossa música tenha um impacto mundial.



A influência musical de vocês é bastante vasta. Do RAP ao Rock, passando pela música negra e até o heavy metal. Ela sempre se pautou pela atividade política?

Minhas preferências musicais são muito amplas e certamente nem sempre existe um componente político nelas. Eu adoro heavy metal, como Black Sabbath, Iron Maiden e Rush, assim como o hip-hop contemporâneo de DMX e Jay-Z e, obviamente, também gosto de grupos políticos, como Public Enemy e The Clash. No RATM, nós sempre sintetizamos nossas várias influências musicais para então preencher com o nosso compromisso político.



Algo na música sul-americana é referência para você?

Um dos meus maiores heróis musicais é Víctor Jara, o tremendamente talentoso mártir do golpe de 1973 no Chile. Sua vida como músico e ativista é muito inspiradora, especialmente no meu projeto solo, que leva o nome de The Nightwatchman.



Você apontaria novos talentos na música?

Eu sou um grande fã de Gogol Bordello, The Arcade Fire, Bright Eyes e de uma banda pouco conhecida fora da cidade de Nova York, que se chama Outernational.



O RATM voltou para ficar? Há previsão para novos trabalhos?

Bem, nós estamos juntos de verdade, como nosso show no Brasil demonstrou. Atualmente, não existem planos para um novo disco, mas nós continuamos amigos e fazendo shows. Mas o futuro não está escrito.



Vocês têm planos para retornar à América do Sul?

Eu adoraria voltar em breve para tocar mais vezes e explorar o continente. Nessa viagem, nós estivemos na América do Sul por menos de dez dias, o que não foi nem de longe suficiente. Eu fui inspirado pelo público daí, pelo encontro com o MST, pelo ensaio que nós vimos da escola de samba Vai Vai, por visitar os túmulos de Víctor Jara e Allende no Chile, por marchar com as Mães da Praça de Maio em Buenos Aires. Essas coisas serão absorvidas por minha música no futuro. Finalmente, gostaria de agradecer muito aos fãs do Brasil. Levamos dezenove anos para ir pela primeira vez, mas garanto que não levaremos outros dezenove anos para voltar. Nos veremos em breve.

QUEM É

Nascido em 1964 no Harlem, em Nova York, formado em ciências políticas na Universidade de Harvard, Tom Morello foi incluído pela revista Rolling Stone como um dos 100 maiores guitarristas de todos os tempos.

A barbárie como espetáculo

Mídia comercial trata como guerra a crise na Segurança Pública, lucra com a espetacularização e cria falsas dualidades

07/12/2010

Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)

Entre tantos protagonistas na crise da Segurança Pública fluminense, um se destacou: a mídia comercial. As emissoras de TV e rádio e os jornais de grande circulação conseguiram criar uma realidade à parte. Nela, os oficiais da polícia que mais mata e que mais morre no mundo tornaram-se heróis. A população acuada nas comunidades, com risco de ser atingida por balas perdidas, foi retratada como um conjunto de cidadãos grato à chegada “das forças do bem”. O pânico ganhou contornos de lucrativo espetáculo, transmitido ao longo de tardes inteiras. A cobertura televisiva assemelhou-se à transmissão de conflitos como o do Iraque. E a linguagem escolhida também foi a da guerra. Poucas vezes o jornalismo brasileiro esteve tão próximo da ficção.

A barbárie dos traficantes, e a reação policial, foram chamados pelos veículos de “Guerra do Rio”. Cláudia Santiago, do Núcleo Piratininga de Comunicação, critica a opção linguística. “Guerra de quem contra quem? Uma guerra na qual os inimigos são os traficantes das favelas, não por coincidência pobres, negros e candidatos a uma vida curtíssima. Não se lê nenhuma linha sobre os grandes chefes do tráfico: banqueiros, juízes, chefões políticos e militares, advogados”, acusa. Todo o linguajar midiático emprestou expressões da guerra. Inocentes assassinados pela polícia viraram “baixas civis”. A Vila Cruzeiro se transformou no “bunker do tráfico”. A data em que a polícia invadiu a favela tornou-se o “Dia D” – referência à chegada dos aliados à Normandia, na Segunda Guerra, decisiva para a derrota da Alemanha nazista.

A tomada do Complexo do Alemão foi retratada como uma vitória inédita, ponto de virada na história da cidade. E com cenas cinematográficas. As bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro, levantadas no alto do conjunto de favelas, lembraram a chegada do homem à lua. “O triste é que este espetáculo midiático faz com que muita gente de bem torça pelo extermínio destes jovens, como torcem pelo Rambo nos filmes de Hollywood. O fato é transformado em um grande espetáculo para ganhar a adesão das pessoas. E ganha”, lamenta Cláudia. O apoio à ação policial, considerada de sucesso pelos jornalistas e por boa parte dos comentaristas ouvidos pelos grandes veículos, aparentemente, encontrou eco junto à população do Rio.


Militarização legitimada

“A cobertura da TV privilegia a dramatização. E afirma-se que esse vai ser o ponto de inflexão daqui pra frente. Um equívoco. Lamento que esses grandes veículos estejam com essa posição”, criticou Ignácio Cano. Sociólogo vinculado ao Laboratório de Análise de Violência da Uerj, Ignácio é um dos estudiosos de Segurança Pública mais frequentemente ouvido em períodos de crise. Para José Cláudio Alves, vice-reitor da UFRRJ, “amplia-se muito a lógica militar quando a execução sumária, elevada à categoria de política pública, é legitimada pela mídia.”

Outra fonte histórica dos grandes veículos é Luiz Eduardo Soares, ex-secretário, nacional e estadual, de Segurança Pública. Pela primeira vez, o intelectual desligou o celular, para não atender a jornalistas. “Não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso nos intervalos entre as crises”, escreveu, em artigo. E em outro trecho: “todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido – em uma palavra, banido –, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial”.

Por fim, no mesmo artigo, o sociólogo critica a falsa dualidade criada pela mídia, entre policiais e traficantes. “Não existe a polaridade. Construí-la – isto é, separar bandido e polícia – teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de Segurança digna desse nome”. Segundo Soares, não há ação de criminosos, no Rio de Janeiro, da qual estejam ausentes segmentos corruptos da polícia. Seria justamente essa interpenetração entre tráfico – ou milícia – e polícia que faz com que a ilegalidade permaneça viável. Além disso, o abismo de força bélica entre as duas forças em conflito, polícia e tráfico, também é atenuado quando se usa o termo “guerra”. O poder de fogo dos policiais é muito maior.


Saques e diáspora

Um bom exemplo da cobertura ficcional do conflito foi a invasão policial da Vila Cruzeiro. O chamado “Dia D” foi celebrado pelos veículos. A polícia teria obtido grande vitória ao ocupar uma favela onde o poder público não entrava há três anos. Segundo os jornalistas, a população estaria aliviada, recebendo os soldados com louvor. E a polícia estaria fazendo uma varredura na comunidade, atrás de drogas e armas. Isabel Cristina Jennerjahn esteve na comunidade e trouxe um relato bastante distinto – embora reconheça que a sensação local, em grande parte, era mesmo de alívio. Integrante da Rede de Movimentos e Comunidades contra a Violência, ela relata que boa parte dos moradores está indo embora da favela.

Segundo Isabel, algumas casas teriam sido saqueadas pela Polícia Militar (PM) e o Bope estaria impedindo familiares de traficantes mortos de buscarem seus corpos na mata – assassinatos esses não veiculados pela TV. Os jornais de domingo, dia 28, preferiram divulgar um projeto do prefeito, Eduardo Paes (PMDB), anunciando o desejo de urbanizar a favela. Movimentos e ONGs desconfiam que no Complexo do Alemão esteja havendo casos semelhantes. A diáspora foi ainda maior ali do que na Vila Cruzeiro. Teme-se que bandidos desarmados tenham saído normalmente, passando pela barreira policial, como os outros moradores. “Vão haver novamente assassinatos, e não vai haver investigação”, suspeita José Cláudio. Também há críticas contra a decisão dos veículos de não citar nomes de facções do tráfico.

I Conferência Mundial sobre o desenvolvimento de sistemas universais de seguridade social

08/12/2010

Participantes reafirmam artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consigna a seguridade social como um direito. Acesse aqui a íntegra do relatório

Escrito por: CUT Nacional


Elementos para uma Agenda sobre Sistemas Universais de Seguridade Social


A I CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS UNIVERSAIS DE SEGURIDADE SOCIAL reuniu em Brasília, capital do Brasil, no período de 1º a 5 de dezembro de 2010, 677 delegados(as), provenientes de 90 países, representando governos, movimentos populares, sociais e sindicais, instituições acadêmicas e agências intergovernamentais.

Os objetivos da Conferência foram:a) reconhecer o direito à Seguridade Social como um direito humano; b) contribuir para o fortalecimento dos sistemas universais; c) identificar conquistas e desafios comuns; d) estimular países, governos e sociedades a adotarem sistemas universais, integrais e equitativos como alternativas válidas, éticas e factíveis, orientados à produção de bens públicos; e) analisar as relações do desenvolvimento econômico com as estratégias adotadas pelos países em direção à erradicação da pobreza e à construção da equidade entre classes sociais, gerações, gêneros e etnias; f) abrir canais de comunicação e cooperação entre governos, movimentos e instituições acadêmicas para desenvolver políticas, sistemas, serviços e ações, bem como capacidades tecnológicas e humanas; e, g) aportar elementos para a construção de agendas nacionais e uma agenda internacional com a finalidade de viabilizar o desenvolvimento de sistemas universais de Seguridade Social.

Os debates se desenvolveram por meio de atividades auto-gestionadas, painéis centrais, sessões temáticas e regionais, que possibilitou a troca de experiências e reunião de um conjunto de contribuições importantes que evidenciaram a complexidade dos desafios para os setores governamentais e não governamentais na construção e qualificação dos sistemas universais de seguridade social.

A Conferência teve como debate essencial o universalismo da seguridade social, compreendida no campo dos direitos humanos, reafirmando como seus princípios irrevogáveis a universalidade, a equidade e a integralidade e opondo-se aos discursos e às práticas de mercantilização das políticas sociais.

Nesse sentido, a Conferência indicou a necessidade de discutir a Seguridade Social no marco de um conceito ampliado, que compreendenão apenas a previdência, a assistência social, a saúde e o trabalho, mas que, além disso, incorpore a segurança alimentar, econômica e ambiental,a educação, a habitação, o acesso à justiça, à terra, à água, entre outros.

As reflexões apontaram elementos no sentido de entender que é atribuição da seguridade social, entre outras, promover o Trabalho Decente, conforme a Declaração de Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho – OIT/1998, combater a miséria, contribuir para a superação do preconceito étnico, racial e em relação às pessoas com deficiência e das iniqüidades de gênero, geracional, dentre outros. A ratificação e implementação do Convênio 102 da OIT, foram apontadas como ponto de partida para a ampliação dos níveis de cobertura da proteção social, em direção aos sistemas que efetivamente consolidem o universalismo como premissa da seguridade social.

Apontou-se, ainda, acúmulos no sentido de que a universalização da seguridade implica acima de tudo uma decisão política. Tal decisão requer construir as condições para sua viabilização, enfatizando o papel do Estado na construção de novas lógicas de organizaçãoinstitucional e financeira, entendendo-se que o universalismo se opõe à focalização e pressupõe uma relação indissociável entre a esfera econômica e social. A universalização exige, não apenas, que todos e todas sejam incluídos, mas que tenham os mesmos benefícios e proteções, com equidade.

A I Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social, ao viabilizar um espaço plural de diálogo reflexivo, inaugura em nível internacional, uma nova dinâmica democrática entre os setores governamentais e não governamentais no campo da seguridade social, prospectando a possibilidade de construção e aprimoramento deste sistema. Para isso, indicou-se que este debate se transforme em agenda política, permanente e prioritária, em âmbito nacional e internacional, numa perspectiva que supere a tendência de fragmentação entre os diferentes segmentos da sociedade e das áreas dos governos.

Outrossim, discutiu-se a importância da participação das populações como elemento qualificador da democracia e a necessidade de projetar os princípios republicanos como garantidores da justiça social.

Manifestou-se preocupação frente às restrições impostas, pela atual crise econômica e social, à universalização da seguridade social, considerada por muitos como principal medida de proteção dos povos.

Registrou-se a vontade de muitos participantes de que ocorra a continuidade dos debates propostos por esta conferência no âmbito dos países e regiões, mantendo-se uma comunicação efetiva entre aqueles que aqui estiveram, recomendando-se a realização de uma II Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social.

Os conferencistas reafirmaram o disposto no artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consigna a seguridade social como um direito, orientada eticamente pelo princípio da dignidade humana e que a afiance como componente essencial da construção de sociedades mais justas.


Brasília, 05 de dezembro de 2010

Setorial Nacional de Direitos Humanos do PT divulga manifesto

O Setorial Nacional de Direitos Humanos e a Secretaria Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT divulgaram manifesto para marcar a comemoração amanhã,10 de dezembro, do Dia Nacional dos Direitos Humanos.

MANIFESTO NACIONAL DO SNDH DA SNMPPS - PT

Para o Brasil seguir mudando pautado na promoção, proteção e defesa dos direitos humanos no Brasil

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” DUDH (ONU)

Neste 10 de dezembro de 2010, Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Setorial Nacional de Direitos Humanos do Partido dos Trabalhadores serve-se da data para reiterar seu compromisso partidário na Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Tal compromisso é fruto da construção efetivada ao longo das três últimas décadas pelo maior partido de esquerda do hemisfério Sul, que enfrentou a opressão, atravessou o preconceito, a desconfiança e combateu as mazelas geradas pelo capitalismo. Neste quadro, o Partido fez uma clara opção política, inegociável, de libertação dos(as) trabalhadores(as) de todas as formas de opressão, alinhando-se aos princípios da universalidade, interdependência e indivisibilidade dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

O Governo Lula demarcou em seu governo essa opção política partidária. Vinculou o tema de Direitos Humanos à Presidência da República, articulando as políticas de governo de forma interministerial, afirmando-as como agenda de Estado. Tornou a Secretaria Especial de Direitos Humanos mais forte, com alteração de seu status, reestruturação e elevação a órgão essencial da Presidência da República.

Elegemos um presidente-operário, um operário-presidente, cujo governo tem ampla aprovação da sociedade brasileira e é reconhecido fora do Brasil como um dos mais bem sucedidos governos populares da História. Precisamos estar ainda mais unidos e fortes em prol do ideário e da luta pelos Direitos Humanos. É preciso incorporá-los ainda mais em nossas políticas. Deve haver, portanto, o enraizamento dos Direitos Humanos como campo transversal no desenho e na implementação de políticas públicas setoriais e nos processos de organização e decisões partidárias, concebidos de forma universal, indivisível e interdependente. Assinalamos, portanto, a luta pelos Direitos Humanos como bandeira capaz de capilarizar a estratégia política de esquerda de nosso partido.

O Partido, agora diante da eleição da primeira mulher na condição de Presidente da República de um País como o Brasil, a Companheira Dilma Rousseff, traz um novo marco para o país e reitera a nossa história de luta contra preconceitos e de ruptura em relação aos velhos modelos políticos no Brasil.

O Governo da Companheira Dilma, não será alheio a essa luta, afirmará o compromisso com os tratados, pactos, convenções e protocolos internacionais de direitos humanos, bem como promoverá a correspondente atualização da legislação brasileira, conferindo centralidade à agenda de Direitos Humanos como elemento organizativo e estruturante da agenda política, no delineamento de políticas públicas pautadas pela valorização da pessoa como sujeito central do processo de desenvolvimento econômico e social, respeitada a sua dignidade, sem quaisquer distinções de raça, etnia, gênero, classe social, região, cultura, religião, orientação sexual, identidade de gênero, geração e condição físico-individual.

Neste contexto, o PNDH 3, como fruto de intensos e qualificados debates democráticos em todos os estados da federação, mediados por uma Conferência Nacional, representa hoje um referencial organizativo para uma atuação republicana e democrática no campo dos Direitos Humanos. Invariavelmente, visualizamos este instrumento como o grande balizador para as ações do governo da Companheira Dilma e para a organização e decisões partidárias. O processo para assegurar a integralidade do PNDH 3 deve ser pautado, por conseguinte, pelo diálogo permanente com a sociedade e pela transparência em todas as esferas de governo.

A promoção, por meio de ações políticas em todas as esferas do Governo e do PT, da igualdade e da justiça social como condição para a construção de um Partido e um governo melhor encontra na luta em e para os direitos humanos um elemento capaz de aglutinar, articular e potencializar o projeto que vem sendo implementado nos últimos anos. Direitos Humanos e o PT sempre caminharam juntos. O PT efetivou essencial contribuição ao processo recente de conquistas sociais e políticas neste campo. Esta construção é indissociável no processo brasileiro de luta por garantia de direitos e de acesso à justiça e políticas públicas. Esta consolidação histórica e teórica do campo dos Direitos Humanos, portanto, fruto de conquistas anteriores se, por um lado, não deve se circunscrever a um partido ou um segmento organizado da sociedade, por outro, certamente não pode dispensar o Partido dos Trabalhadores da liderança conquistada e de sua tarefa histórica, bem como prescindir de quadros políticos que se forjaram e consolidaram na luta cotidiana, na disputa na sociedade e no fortalecimento do próprio PT.

Todos estes elementos nos levam, nesta data, a vislumbrar – como condição para avançar nos próximos períodos –, a necessária manutenção do PT na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, tendo a frente uma mulher petista. Mulher que possa garantir a integralidade das conquistas havidas nos últimos anos, em que se destaca o PNDH 3, que tenha uma trajetória partidária reconhecida e indissociável da luta pelos Direitos Humanos e que possa agregar governo e sociedade em uma interação e em um diálogo democratizante.

Conclamamos, de forma complementar, a todos(as) os(as) parlamentares do PT, em todos os níveis do Poder Legislativo, segmentos e movimentos organizados, que continuem se empenhando na criação de Fóruns, Comissões Permanentes de Direitos Humanos e outros espaços organizativos e de luta e, ainda, às administrações Públicas governadas pelo PT a constituírem espaços específicos, assegurando um terreno fortalecido e um arranjo de forças articulados pela efetivação dos direitos, de maneira transversal, em todas as políticas públicas implementadas, de modo a fazermos todos os enfrentamentos necessários em relação à quaisquer retrocessos que possam significar uma retirada da centralidade da agenda de direitos humanos no processo de desenvolvimento social e econômico e na consolidação da democracia no país.

Brasília, dezembro de 2010.

Carmelita Lopes - Coordenadora Nacional do Setorial de Direitos Humanos

Renato Simões - Secretário Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais – Partido dos Trabalhadores